A inteligência artificial na Oftalmologia

Por Dr. Rufino Silva, professor, médico oftalmologista e ex-Presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia;

O daltonismo é uma condição que afeta cerca de 8% dos homens e 0.5% das mulheres, e em 99% dos casos afeta a perceção do eixo vermelho-verde.

 

Imagine entrar num consultório médico e, em vez de um especialista analisar demoradamente uma imagem do fundo do olho, um computador, em segundos, fornece um diagnóstico preciso, avalia o risco de progressão da doença e sugere ao seu médico Oftalmologista o um possível plano de tratamento. Esta não é uma visão distante do futuro é uma realidade em construção acelerada, graças à Inteligência Artificial (IA). Nos últimos anos, a aplicação da IA na medicina tem vindo a crescer exponencialmente. E poucas áreas têm beneficiado tanto como a Oftalmologia. Do rastreio à monitorização de doenças como a retinopatia diabética, a degenerescência macular relacionada com a idade (DMRI), o glaucoma e a retinopatia da prematuridade, a tecnologia está a ganhar um papel de destaque no apoio ao diagnóstico e na personalização dos cuidados de saúde visual. Mas, afinal, como funciona esta tecnologia? E que mudanças pode trazer à forma como cuidamos da nossa visão?

O que é Inteligência Artificial?

A Inteligência Artificial é um ramo da informática que procura imitar a capacidade humana de raciocinar, aprender com a experiência e tomar decisões. Em vez de serem programados com instruções rígidas, os sistemas de IA ‘aprendem’ com grandes volumes de dados como milhões de imagens médicas para reconhecer padrões e prever resultados. Na prática, isto significa que um computador pode aprender a distinguir um olho saudável de um com sinais precoces de doença, com uma precisão muitas vezes comparável à de um médico experiente. Esta aprendizagem é possível através de métodos como o ‘deep learning’ (aprendizagem profunda), onde redes neuronais artificiais inspiradas no cérebro humano são treinadas para detetar alterações subtis nas imagens.

Escassez de especialistas

Um dos grandes desafios da saúde ocular global é a escassez de oftalmologistas, sobretudo em zonas remotas ou com recursos limitados. Em muitos países, o número de profissionais não é suficiente para responder às necessidades da população, o que leva a atrasos no diagnóstico e tratamento de doenças capazes de provocar cegueira.

A IA pode ajudar a colmatar essa lacuna. Por exemplo, dispositivos equipados com algoritmos inteligentes conseguem analisar fotografias da retina e indicar se há sinais de doenças como a retinopatia diabética uma das principais causas de cegueira em adultos. Esta triagem automática permite que apenas os casos suspeitos sejam encaminhados para avaliação médica, poupando tempo e recursos.

A retinopatia diabética

Os estudos mais recentes são animadores. Um sistema aprovado nos EUA pela agência reguladora FDA, por exemplo, consegue detetar retinopatia diabética com mais de 90% de sensibilidade e especificidade valores comparáveis aos dos especialistas humanos. A diabetes é uma epidemia silenciosa que afeta mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Uma das suas complicações mais graves é a retinopatia diabética, que pode levar à cegueira se não for detetada precocemente. A boa notícia é que esta doença pode ser identificada através de uma simples fotografia do fundo do olho. E é aqui que a LA entra em cena: sistemas como o EyeArt ou o Retmarker (este desenvolvido em Portugal, mais concretamente em Coimbra) analisam estas imagens em segundos, com elevada fiabilidade, e classificam o risco do paciente. Alguns destes sistemas estão já a ser usados em programas de rastreio em larga escala inclusive em Portugal.

Limites e desafios

Apesar dos avanços, é importante reconhecer que a IA não é perfeita nem deve substituir o médico. Os algoritmos funcionam bem quando treinados com grandes volumes de dados de boa qualidade, mas podem falhar em situações raras ou atípicas. Há também preocupações legítimas com a privacidade dos dados dos pacientes, o risco de viés algorítmico e a falta de transparência em certos modelos (a chamada caixa negra).

 

Conclusão

A IA está a transformar a forma como vemos. Ao potenciar diagnósticos mais precoces, rápidos e acessíveis, abre caminho a uma oftalmologia mais justa, eficiente e personalizada. Ainda há desafios, mas o horizonte é promissor. Afinal, se os olhos são o espelho da alma, talvez a IA seja o espelho de uma medicina mais humana, precisa e inclusiva.

 

Em Portugal

Já estão a ser utilizados no nosso país sistemas que identificam a retinopatia diabética. Um salto na tecnologia que permite combater uma epidemia que afeta mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo.

Fonte:  Revista Mariana – 07/10/2025